O importante é jamais desistir de ser você mesmo.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Quem Restou, Pandora?
















Rugas e marcas escondidas
e a única que persiste e insiste
é saber se estás feliz e bem.
Hoje, neste nublado dia derradeiro
no qual repagina-se um quadrante
cíclico, num prolixo retrospecto,
vejo, com inexpressível pesar
e inesperado desespero,
que passei
de um canto ao outro
sem dar
um passo...

Tudo se despedaçando ao redor
deste incômodo com semblante de cristal.
Heróis decapitados num triste perfil
da manhã de espelhos desorientados.
De olhos vendados, um gigante que
retrocede em busca do velho erro
que se faz novo e novamente falhará.
Deveras, nenhuma dúvida que me arreste!
O passado regressando em largo trote
no vermelho do batom que não purgará.

Sobre a economia, contas a pagar!
Tudo o que nunca me pertenceu
num tecido intangível de dívidas
com as quais perpetuam uma vivência
que ainda jogam-me às costas!
São prestações dos sonhos de Prometeu!
Pré-datados na imersão de pensamentos
e desejos sem meios e sem fundos.

Se perguntasses
o que espero destes novos tempos...
Se indagasses,
responder-te-ia ser uma expectadora
revisando, nestas quatro telas,
os reflexos cartesianos
de nossa inefável ambição.

Se me soltasses,
certamente, num certame,
cairia como tola opositora,
agonizando, nas margens do Ipiranga,
o meu primeiro e derradeiro "foda-se".
Se olhasses
dentro deste pedante caixão
verias, tão somente e simplesmente,
que te esperei demais,
e nada mais.

domingo, 5 de julho de 2015

Aleatoriedade Medíocre

Teclam o que pensam, pois pensam pensar. Acham saber algo, crêem que falam sobre o quê deve ser. E propagam as mais estúpidas escrotices aos quatro pontos do globo, soltando ao vento palavras podres como quem brinca com pipas. Macacos escritores escolhendo símbolos aleatórios para tornar imortal o que deveria estar sepultado num passado do qual sentimos vergonha.

domingo, 7 de junho de 2015

Último Cigarro

Pra quem achava que o céu era o limite, o teto baixo deste quarto oprime bastante. Em breve a polícia baterá na porta. Daqui a uma hora. Um minuto. Um ano. Mas baterá! Não há dúvida. Certamente já sabem onde estou. Um hotel vagabundo de Porto Alegre, com duas prostitutas de cinquenta reais na entrada como testemunhas. Talvez Deus por testemunha, mas acho que ele encontra-se ocupado demais para depor a meu favor.

Como vim parar aqui? E onde está a água? É como se essas paredes mofadas fossem doses letais de amnésia que me levam a esquecer quem sou. Quem sou? Bateram na porta, ou foi o vento que batucou na janela? Invadirão pela janela? Quatro andares, sem escada de emergência. Não sou tão importante para uma manobra tão arriscada.

Uma fresta. Na rua as pessoas se movem como se nada estivesse acontecendo. Como se eu não acontecesse neste exato momento. Um rapaz apressado esbarra em uma das prostitutas, mas segue sem olhar para trás. Ela abre a boca, provável prefácio de um palavrão, mas o rapaz foi mais rápido, atravessou a rua e já está longe. Longe. A prostituta murmura algo, passa a mão nos cabelos curtos, pega o celular e esquece a raiva de alguém que chegou e se foi. Foda-se.


domingo, 15 de março de 2015

Noite


Movem-se esquivos nas sombras.
Sem olheiras, sem lágrimas.
Às vezes carregados de orvalho,
às vezes cobertos por braços
e abraços que só anseiam sorrir.
Lembram crianças dançantes,
gritando e correndo para lá,
para cá, à esquerda e à direita.
Assim percorrem o infinito,
recuperam anos perdidos,
alegram-se enganando às rugas,
deixando que sangrem cicatrizes
pelo prazer pulsante de um beijo.

Vejo o céu num copo de café.
Sinto a fumaça do barro molhado.
Um pingo d' álcool para combustível
de sonhos que sonho acordado.
Ninguém quer ser passado para trás,
acelerar passos rumo à inconsciência.
Sem perder tempo, sem ser perecível,
todos uma hora cansam, descansam.
Todos, menos o tempo que, quando
já não houver o verbo haver ou passar,
ainda será o tempo da própria inexistência.
Então caçamos tempo onde não há,
pedimos mais tempo ao tempo,
pois nunca parece tempo demais.

Seus olhos perto demais,
mais do que costumo permitir.
Mas não cerro os punhos,
não travo o queixo, não rosno,
não armo qualquer contra-golpe.
São doces como jabuticabas.
Deixo que meus dedos se afoguem
na cachoeira de seus cabelos finos.
E em seus olhos busco o infinito,
busco estrelas e galáxias distantes.
Viajo sem escala pelo céu de tua boca,
desejando que a dialética seja definitiva,
que a tese viva mais que a própria vida.
Queria que seu olhar fosse poesia,
mas era apenas café.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Poema - Um Sonho Navegante


Uma caixa navegando no bueiro
enfrentando ondas e correntezas.
Joguei meu sonho lá dentro,
enviei a ti minhas certezas
naquela navegante do bueiro.

Se desfez numa roda vadia.
Esperei por mais dez minutos,
refiz de retalhos os sentimentos
lembrando da lembrança tua,
desejando muitas outras chuvas.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Poema - Translação dos Desejos











Na contra-mão da escada rolante
vejo, desesperado, você distante.
Doravante, sem avanço que importe,
que vença o vazio sólido que não morre,
caio aos pé desta escada incansável.
Insaciável, destroçando a carne frágil.
Devorando o passo inchado que corre,
percorre, escorre gota-a-gota, invisível
no solúvel tempo dos dias da vida.

Rolando esta escada que rola,
enrola e devora e me assola à sola,
à rótula. Igual cela que assombra,
penso que não passo de sombra.
Movimentos sem nexo algum,
desconexo do senso comum.
Um atrapalho ainda por cima!
Sombra condenada a ser contra.
Onde se viu cair escada acima?

Você não desceu.
Não olhou para trás.
Tampouco subi,
mas olhei para atrás,
à frente, à nuca,
ao chão, ao abismo.
Rolei eu mesmo,
varri um mundo
de desejos mudos.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Artigo - À Robotização

Hoje vi que vivemos num mundo de ficção científica. Entretanto, ao que parece, a realidade superou em vezes a ficção, e creio não mentir ao dizer que nosso mundo assustaria até mesmo Huxley ou Orwell, criadores das fantasias futuristas mais tenebrosas da história. Pois, apesar de preverem a exclusão de sentimentos, ou mesmo a falta de privacidade, jamais imaginaram que o humano seria, literalmente, robotizado.
Tudo começou com uma mensagem do Whats App. Duas fotos de uma moça com a perna praticamente necrosada. Imaginei que se tratasse de complicações com a tatuagem, porém, quando mostrei ao meu colega de trabalho, ele exclamou:
"É a Andressa Urach!"
Fiquei um tempo encarando-o, até que tomei coragem para assumir minha ignorância e perguntei quem era essa tal de Urach (apesar de parecer estranho, nunca fui muito ligado em televisão desde que comecei a ler, mais a falta de tempo e o fato de que joguei meu aparelho fora, acabo por não acompanhar as notícias por este meio). Me falou sobre o caso do hidrogel, a vice Miss Bumbum, A Fazenda, e algumas outras coisas que tratei de esquecer. Não pesquisei no Google (como costumo fazer quando algo me intriga), nem no Wikipédia, nem em lugar nenhum. Deixei pra lá.
Hoje de manhã, após acessar meu e-mail, fui ver as notícias do MSN, e lá estava ela novamente. Dessa vez, já que a notícia correu atrás de mim, resolvi averiguar.
Não vou aqui falar sobre o uso do hidrogel, até porque não sou um especialista adequado para isso e meus conhecimentos químicos são parcos. O que me interessa, e me assusta, é a conjuntura social que levou a esta situação. E ela é a seguinte: vivemos um momento de robotização assustador, no qual trocamos e modificamos partes de nossos corpos como se fossem elementos de máquinas! Mesmo as fotos dela "saudável" são sugestivas e questionáveis: suas coxas pareciam ter amortecedores automotivos, de tão grossas e artificiais; seios semelhantes a air bags; as pernas brilhavam como se fossem de aço! Em resumo, um robô costurado com pedaços de plástico e sabe-se lá mais o que!
Mas, antes que me julguem inadvertidamente, adianto não a considero culpada, antes a defino como vítima de uma cultura doente baseada no consumo de aparências. Afinal, não é ela a única, tampouco será a ultima. Basta ver as meninas do Pânico: quando chegam, são, apesar de bonitas, normais e naturais, um tipo de beleza que pode ser encontrada nas ruas; porém, bastam alguns meses, e elas incham, marombam, endurecem de uma forma quase inacreditável. As perguntas são: como chegam a estes resultados tão rápido? Serão só exercícios? E as consequências no futuro?
O pior de tudo é que elas são peças do principal meio formador de opinião dos nossos tempos. A idolatria a estas "bonecas de retalhos vivas" gera inconformidade e inveja por parte daquelas pertencentes à massa. A mulher já não se conforma em ter celulite, revolta-se com o fato dos exercícios não terem o rendimento esperado (pois baseiam-se nestas fabricações artificiais que, se não é por meio de anabolizantes, desenham seus corpos em mesas de cirurgias), em suma, revoltam-se contra si mesmas. E eis que surge a solução divina: charlatões com diplomas médicos duvidosos que parcelam até doze vezes cirurgias plásticas, por um preço bem mais "barato" que aqueles de consultórios consagrados.
Entretanto o pior de toda esta fatalidade é que ela passará por um caso isolado. Culparão o médico por negligência, a menina (se sobreviver, que é o que espero) dará entrevistas sobre seu período de recuperação, sobre o apoio dos familiares, renderá muito dinheiro com propaganda aos canais de televisão (pois alcançarão altos índices de telespectadores) e, caso opte por não mais recorrer à mesas cirúrgicas... provavelmente sumirá! Provavelmente sumirá porque ficou mutilada, já não servindo mais a estes estranhos padrões de beleza que prezam mais o "parecer saudável" do que o "ser saudável"! Provavelmente sumirá porque não lhe terão confiança para programas mais sérios! E provavelmente sumirá pelo bem desta cultura de açougues humanos, pois é mais fácil (e barato) tirar uma mulher do que reformular todas as outras que eles criaram e elegeram como "exemplos a seguir".
E para que não acusem meu alarde de "achismo" ou "falácia", sugiro que vejam os últimos dados relativos a cirurgias plásticas. O UOL Notícias, em um artigo de 27/07/2014, mostrou que, em 2013, foram realizadas 1,49 milhão de intervenções cirúrgicas deste gênero, 12% de todas a cirurgias plásticas realizadas no mundo inteiro. Ainda não foram divulgadas as estatísticas de 2014, entretanto não estranharia um aumento em relação a 2013, pois, apesar dos índices de desemprego e a crise no setor industrial, o ramo estético tem como base outras necessidades, tendo seus períodos mais lucrativos diretamente relacionados a festas sociais (como o Carnaval), e em períodos de férias. Então imagine quantas pessoas não correram aos cirurgiões plásticos às vésperas da Copa do Mundo?
Por fim, gostaria que pensassem sobre este acontecimento não como um acidente, mais como um alerta sobre o que estamos consumindo e no que estamos nos tornando, ou chegará um dia no qual teremos de trocar em postos de combustível o óleo que percorrerá nossas veias, não por saúde, e sim por pura artificialidade. Estejam felizes com quem são, minhas queridas brasileiras, pois já são, sem dúvida alguma, as mais belas mulheres do planeta (não existe no mundo mulher mais bela que vocês, nossa mistura é única e invejada por todos). Ficarão velhas, terão celulite? Sim! Mas o que importa? Se quiserem, façam exercícios para retardar o envelhecimento. Mas não corram atrás destas fórmulas "milagrosas". E à Andressa Urach e tantas outras Urachs que circulam por aí, só me resta desejar boa sorte e melhoras.

No Terceiro Eu Acerto!

Olá, galerinha! Creio que está postagem deveria ser uma espécie de "marco zero", uma explicação da ideia que tenho para este blog, é também o porquê. Claro que, para isso, é necessário dissertar um pouco sobre mim, meus anseios e minhas frustração. Então, com vossa licença, começarei.

Meu nome é Vidal, tenho 26 anos. Devido aos inumeráveis medos de uma mãe super protetora, minha infância foi marcada pela solidão de um quarto que por anos foi o único mundo que tive. E, como o ser humano tem por instinto superar as limitações com as quais se depara, recorri a imaginação: imaginava por horas correr pelas ruas do bairro, jogar bola com os pés descalços, empinar pipas, e diversas outras coisas que as crianças normais faziam. Uma imaginação fertil, como amigo apenas um garfo de macarrão imprestável, nos olhos o desejo de ser aqueles que pulavam muros, sorriam e brincavam na frente do portão.

Então cresci, conquistei a liberdade (não sem magoar algumas pessoas como minha mãe, que nunca foi capaz de compreender minha necessidade de existir além daquelas quatro paredes). Cometi erros que poderiam ter me matado ou preso, pois, igual um pássaro de gaiola que foge, eu voei desesperado por ruas e vielas, batendo em paredes e placas de vias públicas, sem qualquer ideia em quem confiar ou quem desprezar.

Entretanto, neste meio tempo, conheci a literatura. Um livro em especial me marcou profundamente, me abrindo os olhos ao mundo de uma forma que meus pais não eram capazes (não propositalmente, pois eram os dois, apesar de esforçados, humildes e de pouca cultura). Foi quando sonhei ser escritor.

O problema é que, como todos nós sabemos, viver da escrita não é nada fácil. Vinícius de Morais teve que migrar à música, pois seus livros travavam nas prateleiras, por vezes confundidos com as marcas de poeiras. E como eu, pobre mortal filho de operários, conseguiria viver da escrita? Mesmo que o teste vocacional tenha demonstrado que havia certa conectividade entre mim e as letras, ainda assim a fome põe medo em qualquer um! Sem contar que possuo uma "deficiência" vergonhosa (por vezes, apesar de ler muito, me foge a grafia correta de certas palavras!) Imagine só! Larguei de mão, dando prioridade à sobrevivência.

Fiz técnico em mêcanica, lutei muito para entrar numa empresa grande e com bons benefícios (além de possibilidades de promoções e desenvolvimento profissional). E o quê aconteceu? Crise do setor industrial, com todos os contratados comigo no olho da rua.

O quê ganhei? Tentei dançar de acordo com a música, tropecei e dei de cara no chão! Foi quando decidi tentar duas coisas inusitadas. Uma delas foi tentar desenvolver um bom blog. A outra... bem. A outra direi no final.

Pensei muito sobre algo para escrever em um blog. Sobre o quê falarei? Livros? Filmes? Profissão? Escrever crônicas, contos ou romances? Neste período de pausa reflexiva e forçada (haviam me demitido e estava difícil conseguir outro emprego), apareceu Theo. Procurava ele escritores para o seu blog de resenhas, me candidatei e o jovem aceitou. Não ganhei um puto, é verdade, mas minha intensão inicial era conhecer o funcionamento de um blog, além de treinar a escrita (que andava por deveras enferrujada), além de dissertar sobre meus livros favoritos.

Foi quando desisti da ideia de um blog de livros. Tem gente demais fazendo isso e, muitas vezes, com uma estrutura muito melhor (alguns fazem entrevistas com escritores, têm promoções de editoras e outras coisas bem legais que eu não tinha como correr atrás, sem contar a falta de tempo para atualizar minhas leituras).

A primeira ideia foi escrever um romance. O nome seria "Epifania" e teria uma estrutura peculiar visando a necessidade do público alvo: os capítulos não teriam ligação clara, sem linearidade de tempo, e, apesar de começo, meio e fim, poderia ser lido aleatóriamente, só se tornando um romance quando chegasse ao fim da leitura de todos. Em outras palavras, seria um romance com capítulos escritos na estrutura das crônicas de jornais. Muito legal, né? Uma estrutura peculiar que o tornaria quase experimental. Problema: havia eu, finalmente, conseguido um emprego, e como conseguiria construir uma estrutura tão complexa com tão curto espaço de tempo (atualmente só tenho tempo aos Domingos)? Sem contar que ele tendia a hermeticidade, e era exatamente o que eu não queria num primeiro romance, só podendo ser convertido com trabalho e dedicação adequada (ou seja, com tempo exclusivo para ele). Se tudo der certo daqui para frente, talvez um dia eu retome a estrutura com a história que tinha em mente. Agora não é a hora.

A segunda ideia foi um blog somente de crônicas, cujo nome era "Precisa-se". Uma sátira sobre as necessidades em geral, entre elas a estabilidade financeira, felicidade, amor, amizade, entre outras coisas. A ideia era uma sátira leve, com poucos palavrões e poucas piadas com segundas intensões, visando assim alcançar o público adulto e o adolescente. Escrevi uma crônica inicial e mandei pro yahoo respostas, aguardando um feedback. Passou uma semana, duas, e nada. Voltei para analisar o texto, tentar descobrir no que errei. Concluí que o primeiro texto era realmente ruim, chocante, de humor duvidoso. E mais: todos os outros tinham um toque um tanto forçado, artificial. Me aprofundei na auto-crítica em busca do principal problema, e cheguei na seguinte solução: meu humor tem ocilações que não permitem, sem um apuro de técnica, uma sátira leve e natural. Sem contar meus gostos literários: Dostoiévski; Kafka; Saramago; Faulkner. Todos com um estilo pesado, pouco dados à sutileza. Como posso eu escrever algo leve?

E então finalmente chegamos ao blog que estás lendo. O título creio que já esteja explicado no texto: menos dois blogs ruins, para que nasça um que possa ser lido (e escrito). Com o pouco tempo que possuo, decidi escrever o que me der na telha. Contos, Crônicas Esportivas, Crônicas Literárias, Poemas, Resenhas, etc. O importante é que seja algo bom e agradável, uma boa alternativa pra quem não gosta muito da opinião da televisão e quer outro ponto de vista. Não pretendo ser o dono da verdade (podem falar mal, ou mesmo xingar, nada aqui será censurado, e se pegar fogo e a discussão crescer, tanto melhor). Isto tem inteira ligação com minha outra tentativa inusitada: se não posso viver da escrita, ninguém me impedirá de viver escrevendo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Emprego

Todos precisam de algo que defina suas vidas como normais: de um cão; de uma casa; de dinheiro; de família; ou, livrar-se do cão que caga dentro de casa e fugir da família que consome mais que o salário do mês. Cada qual com suas necessidades, das simples às mais complexas, eu, consciente de minhas limitações, só peço uma coisa da vida: um trabalho.

Perdi o emprego alguns meses atrás. Graças a crise que caiu sobre a indústria no primeiro semestre do ano de 2014, perdurando até hoje, comunicaram (a mim e a mais cem) que não haveria possibilidade de permanência no quadro de funcionários desta. Eu, prevendo as dificuldades que viriam (com a crise anunciada, a oferta de empregos no mercado reduzir-se-ia drasticamente), mantive a calma necessária, peguei minhas coisas, dizendo "adeus" e "boa sorte" a todos os meus então ex-companheiros. Fui calmo. Sóbrio.

A quem quero enganar? Xinguei o dono, o chefe, o encarregado, o engenheiro, xinguei a família destes, seus ancestrais, Pedro Álvares Cabral, Sócrates, xinguei gerações inteiras e suas mães. Urinei na lata de lixo, quebrei meu armário, bati em dois seguranças, apanhei de outros cinco que vieram em apoio, apanhei da enfermeira que tentava me dar um sedativo, e, por fim, quebraram meu nariz quando bateram a porta na minha cara. Dois dias depois voltei para me desculpar, mas colaram no portão de acesso um cartaz com minha foto e os dizeres: "manter-se a 200 metros dos domínios da Firma, ou chamaremos a polícia". Entreguei o uniforme pelo correio.

E ainda tem gente que diz: só não trabalha quem não quer. Então por que eu, que queria, fui chutado (no meu caso, literalmente) rua a fora? Não é que eu goste de trabalhar (e menos ainda lá, um serviço tão pesado que cheguei a ver um ex-pedreiro sentar-se no chão e chorar). Porém, realizei três sonhos de todo bom peão: fretado (como era bom não usar o transporte público!); restaurante (como era bom não levar marmita!); e Convênio Médico (esse era mais ou menos, pois, como sou pobre, tenho o costume de só procurar médicos quando estou morrendo, resolvendo o resto com Mertiolate e Álcool). E saber, naquele momento, que me tirariam esses sonhos me deixou em pânico. Principalmente o fretado!

"Então. A vaga pela qual você está aqui já foi preenchida. Entretanto possuo uma outra em aberto."

"Qual é?"

"Olhe... é bem ruim, vou ser sincera! Você vai trabalhar de noite, escondido em becos, com expectativa de vida de 30 anos. Pode ser preso a qualquer momento, assim como morto, queimado, pregado, crucificado, torturado, eletrocutado, capado, entre outros. É perto de um lugar altamente tóxico, o que aumenta em 72% as chances de desenvolver câncer, deformações, além de ficar estéril e impotente.Também oferecem metade de um terço do que você ganhava anteriormente."

"Tem fretado?"

Poxa! Como podem destruir um sonho assim, sem mais nem menos! Só por causa de uma dorzinha de barriga! Sem contar o sofrimento de voltar a procurar emprego, imprimir currículos, pegar ônibus lotado (não há fretado para desempregado), e voltar de mãos vazias! Além das perguntas mais absurdas que nos fazem nas entrevistas.

"O que você fez de significativo na sua vida profissional?"

Fico pela hora da morte diante dessa pergunta! Já coloquei no currículo, na parte que constam as experiências, PEÃO com letras garrafais para não ter que escutar uma dessas! Mas sempre tem um engraçadinho. Se quer saber o que fiz de significativo, por que não lê um documento de apresentação profissional criado a décadas que se chama CURRÍCULO, do latim CURRICULUM VITAE, que significa "percurso de vida"? E advinha? Tem um na sua mão! E tem meu nome nele! Então deve ser meu, não acha?

"Por que você quer trabalhar aqui?"

Não sei! Acho que por precisar de emprego.

"Resuma-se com uma palavra."

Meu nome não serve?! Tá aí no currículo, pelo amor de Deus! Quem te contratou pra chefe era tão analfabeto quanto você?

"Escolha um animal que te defina."

Homo sapiens! Vulgarmente chamado de humano! Vocês não colocaram no anuncio que ser um cachorro era uma exigência!

E depois de todo esse papo esquizofrênico o avaliador olha pra sua cara e diz que "sentimos muito, mas seu perfil não se enquadra à vaga". Perfil? Não vim pra vaga de modelo fotográfico, senhor! E por que no plural, se estamos sozinhos na sala? Vai num psicólogo, num psiquiatra, se interna, se mata, sei lá. 'Cê não tá legal, truta!

Sem contar as bobagens que vemos nos jornais, que só servem para nos deixar mais irritados. Vi, mais de uma vez, notícias sobre a falta de profissionais especializados no mercado. Vou à agência de emprego, um senhor, lá pelos quarenta anos, corta a fila e diz pra atendente:

"Vim pra vaga de manutenção. Um amigo me disse que vocês estão selecionando para a empresa Fulana."

"Sim. Deixe-me ver seu currículo... Hum... Consegue chegar às dez horas para uma entrevista com os gestores?"

"Consigo sim!"

Olho rapidamente o currículo do Furão (pois eu sei ler currículos): mesmo curso que o meu, não fala inglês, e tem mais experiência (obrigação dele, com quarenta anos, ter mais experiência que eu). Chega minha vez:

"Quanto a vaga que aquele senhor comentou?"

"Deixe-me ver... Sinto muito, mas você não se enquadra no perfil."

O que as pessoas têm contra minha fotogenia é um enigma! E como assim? O Furão tem os mesmos cursos que eu, como ele serve e eu não? Depois me vem com essa de "falta mão de obra especializada"! Claro que falta! Vocês não contratam!

Uma semana depois retornei à agência, mas já haviam colado na porta um cartaz com minha foto.