O importante é jamais desistir de ser você mesmo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Emprego

Todos precisam de algo que defina suas vidas como normais: de um cão; de uma casa; de dinheiro; de família; ou, livrar-se do cão que caga dentro de casa e fugir da família que consome mais que o salário do mês. Cada qual com suas necessidades, das simples às mais complexas, eu, consciente de minhas limitações, só peço uma coisa da vida: um trabalho.

Perdi o emprego alguns meses atrás. Graças a crise que caiu sobre a indústria no primeiro semestre do ano de 2014, perdurando até hoje, comunicaram (a mim e a mais cem) que não haveria possibilidade de permanência no quadro de funcionários desta. Eu, prevendo as dificuldades que viriam (com a crise anunciada, a oferta de empregos no mercado reduzir-se-ia drasticamente), mantive a calma necessária, peguei minhas coisas, dizendo "adeus" e "boa sorte" a todos os meus então ex-companheiros. Fui calmo. Sóbrio.

A quem quero enganar? Xinguei o dono, o chefe, o encarregado, o engenheiro, xinguei a família destes, seus ancestrais, Pedro Álvares Cabral, Sócrates, xinguei gerações inteiras e suas mães. Urinei na lata de lixo, quebrei meu armário, bati em dois seguranças, apanhei de outros cinco que vieram em apoio, apanhei da enfermeira que tentava me dar um sedativo, e, por fim, quebraram meu nariz quando bateram a porta na minha cara. Dois dias depois voltei para me desculpar, mas colaram no portão de acesso um cartaz com minha foto e os dizeres: "manter-se a 200 metros dos domínios da Firma, ou chamaremos a polícia". Entreguei o uniforme pelo correio.

E ainda tem gente que diz: só não trabalha quem não quer. Então por que eu, que queria, fui chutado (no meu caso, literalmente) rua a fora? Não é que eu goste de trabalhar (e menos ainda lá, um serviço tão pesado que cheguei a ver um ex-pedreiro sentar-se no chão e chorar). Porém, realizei três sonhos de todo bom peão: fretado (como era bom não usar o transporte público!); restaurante (como era bom não levar marmita!); e Convênio Médico (esse era mais ou menos, pois, como sou pobre, tenho o costume de só procurar médicos quando estou morrendo, resolvendo o resto com Mertiolate e Álcool). E saber, naquele momento, que me tirariam esses sonhos me deixou em pânico. Principalmente o fretado!

"Então. A vaga pela qual você está aqui já foi preenchida. Entretanto possuo uma outra em aberto."

"Qual é?"

"Olhe... é bem ruim, vou ser sincera! Você vai trabalhar de noite, escondido em becos, com expectativa de vida de 30 anos. Pode ser preso a qualquer momento, assim como morto, queimado, pregado, crucificado, torturado, eletrocutado, capado, entre outros. É perto de um lugar altamente tóxico, o que aumenta em 72% as chances de desenvolver câncer, deformações, além de ficar estéril e impotente.Também oferecem metade de um terço do que você ganhava anteriormente."

"Tem fretado?"

Poxa! Como podem destruir um sonho assim, sem mais nem menos! Só por causa de uma dorzinha de barriga! Sem contar o sofrimento de voltar a procurar emprego, imprimir currículos, pegar ônibus lotado (não há fretado para desempregado), e voltar de mãos vazias! Além das perguntas mais absurdas que nos fazem nas entrevistas.

"O que você fez de significativo na sua vida profissional?"

Fico pela hora da morte diante dessa pergunta! Já coloquei no currículo, na parte que constam as experiências, PEÃO com letras garrafais para não ter que escutar uma dessas! Mas sempre tem um engraçadinho. Se quer saber o que fiz de significativo, por que não lê um documento de apresentação profissional criado a décadas que se chama CURRÍCULO, do latim CURRICULUM VITAE, que significa "percurso de vida"? E advinha? Tem um na sua mão! E tem meu nome nele! Então deve ser meu, não acha?

"Por que você quer trabalhar aqui?"

Não sei! Acho que por precisar de emprego.

"Resuma-se com uma palavra."

Meu nome não serve?! Tá aí no currículo, pelo amor de Deus! Quem te contratou pra chefe era tão analfabeto quanto você?

"Escolha um animal que te defina."

Homo sapiens! Vulgarmente chamado de humano! Vocês não colocaram no anuncio que ser um cachorro era uma exigência!

E depois de todo esse papo esquizofrênico o avaliador olha pra sua cara e diz que "sentimos muito, mas seu perfil não se enquadra à vaga". Perfil? Não vim pra vaga de modelo fotográfico, senhor! E por que no plural, se estamos sozinhos na sala? Vai num psicólogo, num psiquiatra, se interna, se mata, sei lá. 'Cê não tá legal, truta!

Sem contar as bobagens que vemos nos jornais, que só servem para nos deixar mais irritados. Vi, mais de uma vez, notícias sobre a falta de profissionais especializados no mercado. Vou à agência de emprego, um senhor, lá pelos quarenta anos, corta a fila e diz pra atendente:

"Vim pra vaga de manutenção. Um amigo me disse que vocês estão selecionando para a empresa Fulana."

"Sim. Deixe-me ver seu currículo... Hum... Consegue chegar às dez horas para uma entrevista com os gestores?"

"Consigo sim!"

Olho rapidamente o currículo do Furão (pois eu sei ler currículos): mesmo curso que o meu, não fala inglês, e tem mais experiência (obrigação dele, com quarenta anos, ter mais experiência que eu). Chega minha vez:

"Quanto a vaga que aquele senhor comentou?"

"Deixe-me ver... Sinto muito, mas você não se enquadra no perfil."

O que as pessoas têm contra minha fotogenia é um enigma! E como assim? O Furão tem os mesmos cursos que eu, como ele serve e eu não? Depois me vem com essa de "falta mão de obra especializada"! Claro que falta! Vocês não contratam!

Uma semana depois retornei à agência, mas já haviam colado na porta um cartaz com minha foto.

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