O importante é jamais desistir de ser você mesmo.

sábado, 12 de janeiro de 2019

Uma não tão Nova Era



Ensaio sobre a agressividade





Desta vez não trouxe um poema no bolso. Não tenho nenhum pronto, e creio que a atual propagação do ódio nas sociedades exige que, buscando alguma lógica histórica sobre tal fenômeno, pensarmos em como redirecionar os nossos desejos e sentimentos para algo que não objetive uma destruição alucinada de inimigos gerados por um surto esquizofrênico. Diria mais: uma esquizofrenia produzida nas bases do maniqueísmo doentio deve ganhar status de epidemia, tamanha a calamidade que se desenha no horizonte.

Já que falei em ódio, pensemos a respeito da agressividade. Quando é legítima? Quando é exacerbada? Se nos baseamos nas concepções de Espinosa a respeito das paixões onde, explicitando a ideia do filósofo resumidamente, ele define como “negativas” as paixões que inibem a ação e “positivas” aquelas que potencializam determinado ato, definiremos a “agressividade” como uma paixão positiva. Mas, se assim fosse, seria necessário dizer que toda a agressividade é igual, assim como todo o amor e todo o medo. O coerente, antes de mais nada, é falar sobre agressividades, amores e medos.

Um caso recente que ganhou notoriedade na mídia, para falar rapidamente sobre os amores, foi o do piloto que agrediu sua namorada. Por mais estranho que possa parecer ao ouvido comum, existia “amor” naquele ato, mas não nos moldes explicitados pelas novelas televisivas e sim no que fica implícito nos contos românticos: possessão do outro; coisificação do ser humano; sentimento de poder às custas da fraqueza do próximo; estratificação de hierarquias estigmatizadas; etc. Em resumo, o amor que conhecemos é só mais uma das várias relações de poder existentes em nossa sociedade. Para a nossa sorte, esta não é a única forma de amar, pois tampouco existe uma única forma do humano ser: um amigo ama ao outro, sem que necessariamente se caracterize uma relação de poder; uma pessoa pode amar um conhecimento específico sem que exista uma relação de possessão (o exemplo de muitos biólogos é elucidativo). Todavia, devemos questionar se este amar que reproduz as relações de poder não é o amor dominante.

Antes de voltar à agressividade, é interessante pensar mais um pouco sobre as relações de poder. Uma vez que subjuga-se o outro para uma auto afirmação, podemos dizer, a respeito dos sentimentos e das potencialidades de ação, que a positividade de um desejo parte da negatividade do desejo adjacente. Uma vez que somos construções históricas e sociais, por vezes as relações de poder basear-se-ão nas relações dominantes: um homem se acha certo ao agredir sua companheira porque vivemos em uma sociedade instituída sobre os preceitos patriarcais (vide a posição da mulher desde a Grécia, passando por Roma, a idade média, até os tempos atuais onde o presidente tenta justificar a diferença salarial “porque elas engravidam”). A questão, creio eu, é pensar em uma forma de positividade que não a vigente, sem, no entanto, ignorar a existência da relação posta.

Toda a agressividade reativa é legítima quando consciente de seu alvo. Qualquer ato que, contrapondo-se à uma injustiça histórica, é um ato de agressividade com potencial revolucionário. Digo qualquer ato! Amar de uma forma que não esteja instituída na dominação do cônjuge é um ato de agressão contra a instituição matrimonial, pois não haverá vínculo perpétuo que obrigue duas pessoas de viverem juntas a menos que seja a vontade de ambas. Manter amizades que pensem diferente por não considerar as relações uma continuidade corpórea daquilo que considera a verdade, uma vez que a sociedade hierarquiza conceitos que considera certos em oposição aos que considera errados, sendo tal hierarquização reproduzida nas relações sociais, é uma agressão contra os microfascismos (racismo, homofobia, eugênia, machismo, etc). O primeiro passo seria pensar agressividades outras, sempre procurando algo além da mera reprodução.

Falei sobre a condição da mulher, e creio que é nela que reside o enfrentamento à qualquer relação de poder. Marx disse que “a emancipação da classe operária é a emancipação de toda a humanidade”. Pois bem! A classe operária nasceu com o capitalismo; os escravos, e seus descendentes, sofrem as consequências do tráfico de humanos há 600 anos aproximadamente; as mulheres ocidentais sofrem com o patriarcalismo há mais de dois milênios! Na emancipação da mulher reside toda a emancipação, pois de sua história originou-se todas as formas de exploração. Por via disso, não existe nada mais revolucionário do que uma mulher que se recuse a reproduzir os processos dominantes. À mulher é possível uma agressividade legítima que legitime todas as agressividades reativas, pois em sua história reside todas as formas de opressão. A universalidade da mulher permite, quando insurgente, romper com qualquer tipo de maniqueísmo, seja da nomeada “direita” ou da rotulada “esquerda”.

Na mulher vive a possibilidade de enfrentar o ódio globalizado. Mas como se fará taticamente, não tenho como dizer. São estes apenas alguns devaneios que procuram instigar, mas não se veem competentes a responder nada. O que posso afirmar é que existe um ódio alarmante que ronda o mundo, um ódio dos extremos que, ao invés de avanço histórico, anuncia a Era da Barbárie.

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