O importante é jamais desistir de ser você mesmo.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Fantasmas


Por mais que o sorriso enganou sobre a minha alma de menta, a verdade é que não sou aqueles dentes que apareceram por aí. Não fui nem mesmo um dente! Fui, no máximo, um que só vagou demais a procura de algo, e só. Só algo a procura de algo. Só! Até neste quarto imundo por um branco falso eu sou só. Pela porta fechada nunca entra ninguém, pois, até onde aprendi, pessoas são pessoas em relação a outras pessoas, e este que entra, vê a ficha e vai embora sem sequer me olhar nos olhos pode até ser uma pessoa para alguém, mas para mim é somente aquele que entra, lê a ficha e vai embora.

Acho que estou morrendo. Pois já vou tarde! Estou cansado, exausto e com sono. Vinte e quatro anos divagando no mundo, acumulando fantasmas para chamar de lembranças... tudo isso me cansou demais, me envelheceu demais. Acho que já nasci velho, fadado ao destino deste quarto branco onde tudo é escuro e calado, onde tudo é permeado pela multidão de sombras sem luz. Até mesmo o tempo se calou. Sem relógios, calendários ou cartões de ponto. Nunca sei se é manhã, amanhã, tarde, noite ou hoje. Sem visitas com pressa em partir, ou alguém que quisesse ficar. Claro que tem aquele que vem, lê a ficha e vai embora, mas este eu não conto.

Que a verdade seja dita, deveriam perguntar primeiro se alguém quer nascer. Ora essas! Ficam deixando crucial decisão a quem não viverá em nosso lugar, pois mãe é mãe, mas e quanto a mim? Alguém me propôs ser eu por um dia? Tire uma folga de você que eu cuido de tudo! Vá descansar, ser algo como... sei lá! Seja o mar! Cuidarei das coisas neste ínterim. Não! Ninguém me fez proposta tão louvável! Só faziam culpar-me! Quando cristão, disseram-me que era um ser cheio de pecados que precisava me redimir perante a Deus! Ok. Me esforcei em ser alguém melhor, mesmo sem entender bem a quem deveria me redimir. Com o tempo descobri que a bíblia não explicava muito (na verdade atrapalhava, porque quando começava a pensar que entendia, o outro livro dizia coisa totalmente diversa, e voltava a não entender nada).

Depois me disseram que não era eu o pecado, que o mundo estava errado e, como ser consciente, era minha responsabilidade trabalhar com outros conscientes para consertá-lo. Eis que de cristão ateu me tornei um marxista que não entendia o quê era a revolução... Mas tudo bem! Me esforcei para ser uma pessoa melhor, dentro dos conceitos que aquele grupo me apresentava. E o Capital era muito mais fácil de se ler que a bíblia, mas o mundo não parecia reagir àquelas palavras. O mundo escolheu Hitler, escolheu o capitalismo, escolheu dedurar o coleguinha que colou na prova, escolheu denunciar ao patrão o companheiro que organizava uma paralisação contra o atraso do salário... O mundo libertou Barrabás para matar Jesus!

No fim, fui um cristão sem fé e um marxista sem classe, tudo na mesma vida. Por outro ponto de vista, nem fui cristão, tampouco revolucionário, o que me leva a pensar se realmente vivi...

Eu queria ser o mar, porém me daria por satisfeito se fosse o vento. Algum tempo atrás, embora não possa precisar qual, fiz uma tentativa. Ao lado direito da minha cama existia uma cortina branca e calada. Como nunca ouvi som ou murmúrio por traz dela, deduzi que haveria uma janela. Desconectei o tubo de meu braço, tampando o buraco do qual fugia um pouco de sangue com o esparadrapo, levantei e fui em direção à cortina. De repente, um fogo ardeu em meu peito, como quando vamos falar com alguém em quem temos algum interesse. O que haveria atrás dela? A liberdade? O mundo? O amor? Não seria muita ousadia de minha parte chegar assim... sem um motivo aparente? É tolice ser franco demais, pois imagine só o quê pensaria de mim se dissesse: com sua licença, desejo me tornar vento. Me acharia um louco! Poderia, até mesmo, pensar que só pretendo usá-la! Fiquei parado, pensando o que realmente queria. Parado, olhando suas dobras salientes e imóveis diante de mim. Eis que decidi que não queria mais ser o vento: meu desejo foi ser aquela cortina. Tão serena, tão absoluta!..

Dei um passo e ficamos frente a frente. Ela continuva calada, branca. Não, ela não me quer! É melhor ser vento mesmo!

Com sua licença, disse eu, mas preciso comprar cigarros.

Com toque suave a afastei de minha frente, tocando-a como quem conduz uma noiva ao altar. Ouvi o trinco da porta, mas a cortina já estava fora do caminho. Serei livre, serei vento! Corri em direção à liberdade com tanta sede que desmaiei.

Ao acordar, respirava com dificuldade pelo nariz quebrado. Pernas e braços presos à cama. A cortina já não estava lá, e, no seu lugar, vi aquilo que escondia: uma parede branca sem janela. Nunca odiei tanto uma cortina! Em contra partida, nunca amei tanto alguém que me enganou com tamanha perícia!

Por fim, não fui vento e não fui mar, não fui cristão, e nem fui à revolução. Só amei quem não me amou, só andei por andar, andar por andar, mas sem subir ou sair do lugar. E estou só, neste quarto que não posso chamar de meu, em um lugar que nem sei se é hospital, prisão ou repartição empresarial. Estou preso a mim mesmo e ninguém me diz o porquê! Acho que estou morrendo. Pois bem! Já vou tarde...

Um comentário:

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