sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Rasteiro




Meus pés estão encharcados,
encarados pelos olhos secos.
Cada brisa que afaga o ombro
me parece o último suspiro
de mais alguma esperança
que se tornou uma menor.
Algo menos que me faz dever
ao devir uma possível herança.
Gotas solitárias se perderam
no solo de trevas ornamentais,
tomaram de minhas palavras
a voz embargada pela lembrança
de longos silêncios horizontais.

O mundo parece bem pequeno
quando nos curvamos ao chão,
quando só olhamos ao chão,
quando nos tornamos o chão!

É algo rasteiro ao ponto de indagar
se alguém além daqui sabe ou soube.
Sobe e desce na garganta engasgada,
a cabeça tonta e exausta de tontear
e tatear cega num insensato galope
que não chega e nunca me fez parar.
No limiar de algo que já não basta,
que nunca bastou ou se sustentou,
que não tem porta e nem campainha,
à beira do abismo da imensa loucura,
sempre dou mais um passo a frente.
A sombra como uma triste companhia
que, naufragando neste asfalto escuro,
afoga-se por não saber para onde nadar.

O mundo parece tão ou mais curto
quanto algum longo curta-metragem
medido por vários pés descalços
em uma curva de eterno retorno!

Um ciclo...
um círculo...
um circuito!
Um curto...
um surto...
um surto circuito!
Um ovo...
um oval...
um surto círculo oval
de um curto currículo banal
deste ovo mundano surreal!

Quanto mais ando e me desengano,
mais o mundo gira e me torno insano.
Mais insano giro no mundo que gira
atrás de um rabo cada vez mais longo!

Até quando escreverei palavras caladas
sobre os mesmos sentimentos velados?
Até quando me perderei por calçadas
de ruas com velhos nomes violados?
Até quando, e por quanto, para quando,
para quem, e se aquém, para alguém?
Este mero rastro de letras esquecidas,
mesmo que as vozes elas esperem,
não passarão de mais um triste lamento
sob a forma de longo silêncio vertical.

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